domingo, 14 de fevereiro de 2016

O CHEFE SECRETO

Há algum tempo o programa Fantástico, da Rede Globo, criou um novo quadro chamado “Chefe Secreto”. O quadro, que reafirma a enorme capacidade da rede Globo em distorcer a realidade, consiste em disfarçar o patrão e colocá-lo, durante alguns poucos dias, para realizar o trabalho junto a seus empregados.
Depois de um árduo trabalho da equipe de edição do quadro, onde provavelmente as críticas e indignações contra a patronal são cortadas, o programa nos é apresentado como uma forma do empresário conhecer melhor seus funcionários e ter um contato mais próximo com os trabalhadores. O quadro se esforça para mostrar um chefe benevolente, atencioso e sempre preocupado com a vida do trabalhador. O fato de milhões de trabalhadores brasileiros assistirem a esse programa todos os domingos nos motivou a escrever sobre o quadro, que nos parece uma verdadeira provocação ao trabalhador brasileiro.



 É óbvio que o tal chefe secreto, como apontou o companheiro Herbert em recente publicação em seu Blog, está mais para um chefe espião. Um empresário ávido por aumentar seus lucros e que está disposto a fazer o papel patético de se fantasiar, com a ajuda da seção de efeitos especiais da Globo, e descobrir o que poderá fazer posteriormente para aumentar a produção e garantir a sua rentabilidade.
As imagens que nos mostram no domingo a noite não escondem que não há qualquer preocupação do chefe infiltrado com a saúde e segurança dos trabalhadores. Toda atenção está voltada para dinamizar a produção. No fim do programa, depois que o patrão revela sua identidade, sempre há alguns “presentinhos” para aqueles funcionários que estiveram mais próximos do chefe durante a gravação do quadro. Empresários que faturam milhões de reais, na tentativa de tirar algumas lágrimas dos milhões de trabalhadores que assistem ao programa, dão uma bolsa de 70% (!) de desconto em alguma faculdade para um empregado. A felicidade do operário que recebe a gratificação é comovente, mas a raiva logo volta quando se pensa que todos os outros funcionários não terão a mesma dádiva do todo poderoso patrão.  
Mas se engana quem acha que não é possível aprender algo com esse quadro do Fantástico. A única coisa que o programa não consegue esconder e que está ali para todos verem é que os patrões não trabalham, não gostam de trabalhar e não aguentam trabalhar um dia sequer na linha de produção. Toda aquela cantilena de que os patrões estão lá em cima por que trabalharam muito para crescer desaba quando se assiste ao programa. Basta trabalhar muito que um dia também viramos patrão: História pra boi dormir. É isso que o programa mostra. O último quadro, por exemplo, mostrou um casal de irmãos que são executivos e herdeiros de uma empresa. Não sabiam sequer como o trabalho era realizado na empresa. Alguns chefes desistem no primeiro dia com dores no corpo.
E talvez a conclusão mais importante: Eles, os patrões e executivos, são completamente desnecessários para o funcionamento da fábrica.



O operário não tem o direito de desistir. Não há uma sala com ar condicionado e uma bela poltrona o esperando caso sinta dor nas costas na linha de produção. Não pode tirar a máscara. Está ali todos os dias de cara aberta. Não herdou dos pais uma grande empresa. Só lhe resta acordar cedo todos os dias, enfrentar o transporte público caro e lotado para garantir o sustento de sua família.
Mas, ao contrário do patrão, ele é fundamental para o funcionamento da produção.
O chefe secreto, mesmo que se esforce para mostrar o contrário, deixa claro que patrões e trabalhadores estão em lados opostos. Esse programa dominical patético deve servir de combustível para alimentar o necessário ódio de classe contra a patronal na Segunda-feira seguinte e em todos os dias da semana. 



segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A LEI DE DROGAS E O ENCARCERAMENTO DA JUVENTUDE NEGRA

 Rafael Borges

A atual “lei de drogas”, lei 11.343 de 23 de Agosto de 2006, foi promulgada com o objetivo de endurecer as sanções contra o tráfico e tratar o uso de drogas como problema de saúde pública. A legislação pretendia assim reduzir o número de prisões de pequenos portadores de drogas ilícitas e focar no alto comando do tráfico.
No entanto, como aponta a pesquisa realizada pelo sociólogo da USP Marcelo da Silveira Campos e publicada no jornal O Estado de S. Paulo, a população penitenciária brasileira aumentou 77,5% entre 2005 e 2013, período que abarca os sete primeiros anos de aplicação da lei. Não há dúvidas que esse crescimento vertiginoso da população carcerária do país está diretamente ligado a publicação da nova lei de drogas. 
O pesquisador, professor-adjunto da Faculdade de Ciências Humanas Universidade Federal de Grande Dourados (MS), sustenta que “muitas vezes, usuários que deveriam ser enviados, segundo a lei, para unidades de saúde ou assistência social estão sendo deslocados para as prisões”. Acrescentamos também o grande número de prisões de jovens da baixa hierarquia do tráfico que vendem pequenas porções de drogas para completar a renda de casa.



A lei de drogas não apresenta qualquer parâmetro ou quantidade específica para o que deva ser considerado tráfico ou para uso próprio. Cabe ao juiz tal análise. Que as exceções na magistratura me perdoem, mas o velho racismo impregnado nas instituições do regime e em suas altas autoridades mostra que a cor da pele e a região de origem são os critérios mais utilizados na hora de qualificar se uma pessoa é traficante ou usuário. A pesquisa do sociólogo da USP apontou que entre os anos de 2004 e 2009 uma pessoa flagrada portando drogas no Bairro de Itaquera, periferia da Capital paulista, tinha quatro vezes mais probabilidade de ser incriminada por tráfico do que notificada por uso. 
Esse estrondoso crescimento da população carcerária fez com que o Brasil atingisse, em 2014, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2015, o número de 607.373 presos no território nacional, sendo que quase 70% são pessoas negras. Quase 10 anos depois de sua publicação, a mesma lei que dá suporte legal para o encarceramento de usuários ou de jovens da baixa hierarquia do tráfico deixou intacta a estrutura de comando do tráfico e seus “representantes” políticos. 
O judiciário, tão lento e ineficaz para julgar os crimes do colarinho branco, é sempre tão rápido para encaminhar jovens para presídios e a fundação casa. Uma justiça de classe tão dura contra jovens que portam alguns poucos gramas de maconha e tão complacente com empresários e políticos cujas fazendas recebem meia tonelada de cocaína.



Os presídios lotam em um ritmo alucinante, mas alguém se arrisca a dizer que os problemas de violência e criminalidade estão diminuindo? É a comprovação da falência da atual política de drogas. O que queremos destacar aqui é que embora a lei de Drogas apresente um ou outro aspecto que, num primeiro momento pode parecer progressivo, não conseguiu frear o tráfico de drogas e reduzir o encarceramento de usuários. Não atingiu seus objetivos, pois a lei de drogas é apenas um fio de uma longa teia formada por instituições marcadas pelo ódio contra os negros e por uma realidade onde predomina a super- exploração, a profunda desigualdade social, a falta de cultura e lazer nas periferias.

Qualquer tentativa séria de acabar com o tráfico e a cadeia de crimes e violência que o cerca precisa ser feita, no mínimo, na perspectiva de descriminalização das drogas, fim da polícia militar, investimento na saúde e garantia de acesso ao conjunto de equipamentos e serviços para os usuários.