sexta-feira, 5 de outubro de 2012

20 ANOS DO MASSACRE DO CARANDIRU

REPRODUZIMOS ARTIGO DA COMPANHEIRA LETÍCIA, MILITANTE DA LER-QI, SOBRE O MASSACRE POLICIAL NA PENITENCIÁRIA DO CARANDIRU QUE NO ÚLTIMO DIA 2 DE OUTUBRO COMPLETOU 20 ANOS.


Por Leticia Parks, estudante de Letras da USP

Esse artigo é uma homenagem aos 111 mortos pela policia aos 2 de outubro de 1992, na casa de detenção de São Paulo, o Carandiru; A todos os negros e pobres que já foram vitimas do Estado capitalista em todo o mundo e de sua policia assassina.


Ratatatá, caviar e champanhe. Fleury foi almoçar, que se foda a minha mãe! Cachorros assassinos, gás lacrimogêneo... quem mata mais ladrão ganha medalha de prêmio! O ser humano é descartável no Brasil. Como modess usado ou bombril. Cadeia? Claro que o sistema não quis. Esconde o que a novela não diz. Ratatatá! sangue jorra como água. Do ouvido, da boca e nariz. (…) Cadáveres no poço, no pátio interno. Adolf Hitler sorri no inferno! O Robocop do governo é frio, não sente pena. Só ódio e ri como a hiena. Ratatatá, Fleury e sua gangue vão nadar numa piscina de sangue. Mas quem vai acreditar no meu depoimento? Dia 3 de outubro, diário de um detento." Diario de um detento, Racionais MC’s, musica gravada em 1997


  Há exatos 20 anos, no dia 2 de outubro de 1992, cento e onze detentos eram assassinados pela policia militar do Estado de São Paulo após uma rebelião que havia se iniciado no Pavilhão 9 da casa de detenção. Vendida para a imprensa como uma guerra entre a polícia e os ditos “criminosos”, dos mais de 300 policiais envolvidos na repressão a rebelião, nenhum foi morto, e há alegações de presidiários e familiares de que os dados divulgados pela policia escondem uma serie de mortos.
Na Folha de São Paulo de 28 de setembro de 1997, o perito responsável por averiguar abusos policiais declarou: Comprovamos a existência de rajadas de metralhadora a cerca de 50 centímetros do solo, o que indica que os presos foram mortos ajoelhados. Todas as marcas de bala eram de disparos numa só direção. Não havia marcas de disparos no sentido contrário, o que demonstra que não houve tiros contra os policiais.
Dentre os policias envolvidos no caso, 14 já respondiam acusações anteriores por outros 148 casos de homicídio ou tentativa de homicídio. Uma serie de oficiais responsáveis pelo massacre foram posteriormente promovidos à alta e media patente, como é o caso do então tenente-coronel Armando Rafael Araújo, elevado a Comandante do Regimento de Cavalaria Nove de Julho, acusado de ferir 87 detentos, existindo ainda um grupo de cinco policiais que, apesar de envolvidos no massacre, sequer são acusados e seguem atuando na policia militar como policias não uniformizados (policia investigadora).
Comandado pelo governador do Estado da época, Luiz Antônio Fleury Filho, tal massacre segue impune, e os familiares de mortos, que esperaram mais de 6 dias para saberem noticias de seus filhos, pais e esposos; assim como os feridos, que passaram mais de 2 dias aguardando atendimento medico, estão ainda distantes de obter qualquer pronunciamento do Estado, qualquer sinal de justiça sobre tamanha carga carregada em suas vidas.

O racismo e as penitenciarias brasileiras



Não são poucas as ocasiões em que membros da grande política nacional declaram que o Brasil avança a quase nulidade da existência do racismo. Tal discurso é comum para dizer que vivemos no país da miscigenação, e que qualquer questionamento ao racismo se anula pela inexistência de pessoas negras.

A realidade nos demonstra contraditoriamente que para além de vivermos no pais com a maior composição negra depois do continente africano, o Estado brasileiro através de seus braços armados estatais é responsável por índices recordes de assassinato de negros comparáveis apenas aos massacres do Apartheid, ao racismo ao sul dos Estados Unidos, as históricas guerras civis financiadas pelos imperialismos europeus que assassinaram massas inteiras de população negra em países como Ruanda e Burundi, e as que ainda seguem sendo financiadas.
No Relatório do Desenvolvimento Humano de 2005, os dados mostram que no Estado do Rio de Janeiro, onde os negros (pretos e pardos) chegam a 45% da população, são 54% dos assassinados pela policia, enquanto os brancos (54,5% da população) são 19,7% dos mortos pela policia. Em São Paulo, os brancos são 70% da população e 30% dos assassinados pela policia, mais uma relação invertida que demonstra que as balas policiais recorrem a alvos negros.
A condição de pária social a qual o negro foi lançado com o fim da escravidão, tendo seu trabalho substituído pelo assalariado europeu, o que fez com que fosse a população mais sujeita a pobreza e a métodos precários ou violentos de sobrevivência. Durante a ditadura militar, os negros foram atraídos aos centros urbanos pela alta industrialização do período, que teve como base a ampliação do trabalho precário na construção civil, nas cozinhas e na limpeza das fabricas que passavam a ser construídas nos estados de São Paulo, Rio de janeiro e Minas Gerais. Aglomerando-se nas favelas e periferias desses centros, os negros passaram a concentram também um forte espírito de rebeldia, atacado pelas péssimas condições de trabalho e sobrevivência a qual eram submetidos, sendo novamente, assim como em todos os outros regimes já existentes no Brasil – desde a colônia, passando pelo império e chegando a republica – o negro passou novamente a ser foco da repressão do Estado pela via da policia, dos grupos de extermínio e do sistema prisional.
Nesse período, a Casa de detenção de São Paulo (o Carandiru) passa a ter superlotação, favorável a vista grossa sobre assassinatos policiais e abusos sobre a vida. A população carcerária brasileira é hoje a quarta maior do mundo, perdendo apenas para EUA, China e Rússia, com cerca de 75% dos presidiários negros, pobres e com baixa escolaridade.
Sob o pretexto de um crime cumprido, essa população é retirada do convívio social enquanto quem realmente ganha com o crime organizado são os altos políticos, estes que lucram 50 bilhões dos cofres públicos através de suas ações fraudulentas 2, o que garantiria cerca de R$8,3 mil por mês para a saúde, educação e alimentação de cada um dos mais de 500 mil presidiários sem direito a liberdade, por serem varejistas do trafico de drogas sujeitos as menores taxas de expectativa de vida; ladrões famélicos; sociopatas de uma sociedade enlouquecedora onde pais e mães agridem seus filhos, mulheres são assassinadas e estupradas por seus maridos, pais, avos, desconhecidos; onde a grande maioria da população é destinada ao trabalho e vida precários.
Tal sistema social onde muitos tem pouco e poucos tem muito, onde a riqueza é controlada de maneira invisível aos trabalhadores que a produzem, continuamos sem saber quanto de nos é roubado em cada mercadoria que produzimos, quanto de nos negros foi roubado das plantações de cana, de algodão, de café, da construção civil, e quanto esse Estado fraudulento fatura com as mortes negras do trafico de drogas, da prostituição. Com certeza muito mais do que R$8,3 mil para cada homem e mulher vivos em todo o mundo.

O Estado e o massacre


20 anos após o massacre e nenhum dos policiais envolvidos foi punido. Pelo contrario, uma serie deles obtiveram promoções e candidaturas políticas legalizadas pelo Estado.

Ubiratan Guimarães, policial comandante da operação, após ter sido considerado culpado em 2001, recorreu e foi inocentado pelos desembargadores do Tribunal de Justiça, contando com foro especial de parlamentar por ter se eleito deputado estadual pelo PTB. Após ter comandado o massacre que ocasionou 111 mortes, sua sigla de campanha pelo Partido Trabalhista Brasileiro era 14-111.
Essa não é a única demonstração de um Estado que sente orgulho dessas mortes. O comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), Nivaldo Cesar Restivo, esta entre os 119 PMs denunciados pelo massacre, e seu predecessor, o tenente-coronel Salvador Madia, também responde ação penal pelo massacre, sendo acusado direto de 73 das 111 mortes. Não à toa comandam a herdeira direta dos grupos de extermínio a população negra da ditadura militar, e aplicam sobre os negros e jovens pobres de periferia as mesmas medidas utilizadas na ditadura e no massacre – torturas, esquartejamentos, ocultamento de cadáveres, execuções sumarias – respondendo as necessidades do Estado capitalista brasileiro de conter uma população que de tão superexplorada e oprimida, se não for também reprimida, se colocaria de pé, em luta contra sua condição histórica desde que roubada da África, a exemplo do que foi a revolução haitiana, primeiro estado com o poder tomado pelos escravos; ou mesmo da marcante organização dos negros em torno do Partido dos Panteras Negras, que reivindicava o marxismo e o uso das armas em autodefesa para responder as mortes geradas pela forca policial nos EUA.
Tal massacre, assim como os seus predecessores e os que seguem acontecendo ate hoje, haja vista as mais de 229 assassinatos pela PM de jovens negros apenas no primeiro semestre desse ano (dois Carandirus sem nenhuma rebelião), não devem ser vistos como meros abusos policiais ou consequências de uma situação de “guerra civil”. A isso, chamamos genocídio, e a ação policial, chamamos ordens de um Estado capitalista, que mantém seus lucros sobre a proteção da propriedade privada pela policia, sobre a morte de jovens pobres, negros, sobre a prisão dos corpos das mulheres, sobre a fome e a superexploração.
Esse Estado é o que segue dirigido por diferentes partidos que defendem apenas os interesses da burguesia e dos patrões, e que a cada ano reúnem em suas propagandas eleitorais escoriosos representantes diretos dessa política genocida do Estado brasileiro e de muitos outros pelo mundo. A exemplo disso, em apoio a Serra, quem o nomeou para comandante da ROTA, o coronel Telhada (PSDB) se candidata para vereador com a campanha de “uma nova ROTA para São Paulo”, que tem como conteúdo a ofensiva contra a “violência”, que obviamente não é a condenação da sua, pois segue impune pelas 36 mortes pelas quais é responsável, e sim a manutenção e fortificação de seus métodos.
O PSD de Kassab sai com a candidatura de coronel Camillo, comandante da desocupação do Pinheirinho, com mais de 1600 famílias desabrigadas, onde houve registro do estupro de uma jovem por policiais militares, que durou mais de 4 horas.
A policia militar, seus grupos de extermínio e suas figuras publicas passam a ser cada dia mais propagandeados. Para um período de crise, a burguesia faz sua propaganda repressiva, e nos da LER-QI nos juntamos aos gritos dos que se indignam contra cada pratica genocida, contra cada ataque a população pobre e a classe trabalhadora, dizendo que por aqui não passarão, e que se alguém pagara pela violência existente nesse sistema não serão as vitimas dela, mas os responsáveis pela sua existência.

Justiça! Pela punição imediata de todos os responsáveis e envolvidos no massacre de 2 de outubro de 1992!

Liberdade a todo o povo negro! Pelo fim do sistema prisional, atendimento de saúde e educação de qualidade desde a infância para toda a população!

Nenhuma morte em silencio! Pela abertura de todos os arquivos denominados “resistência seguida de morte”, assim como de todos os arquivos da ditadura, com punição imediata aos torturadores de ontem e hoje!


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