domingo, 11 de novembro de 2012

ESPECIAL 95 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA: UMA BREVE ANÁLISE DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO TRABALHADOR E EXPLORADO DE 1918

Há 5 anos, quando ainda lembrávamos dos 90 anos da revolução russa, escrevi brevíssimas linhas sobre a "Declaração dos Direitos do Povo trabalhador e explorado" da Rússia soviética. Os artigos desse documento jurídico, saído das entranhas do primeiro Estado Operário da História, refletia a profundidade e os imensos avanços fruto desse grande acontecimento histórico. Ao final, também postei a Declaração na íntegra para aqueles que tenham interesse em lê-la. Apesar da simplicidade e dos estudos posteriores, creio que não há motivo para revisar o presente artigo tendo em vista que a convicção com que foi escrito naquela ano se mantem plenamente viva. 




Uma breve análise da "Declaração dos Direitos do povo trabalhador e explorado" de 1918

Por Rafael dos Santos





Há 90 anos, os operários, camponeses e soldados russos não só destruíam o poder aristocrático do czar, como também alguns meses mais tarde, guiados pelo partido Bolchevique, colocavam a baixo as pretensões da débil burguesia russa de erigir uma república baseada na democracia burguesa e em suas leis reacionárias. A partir dali a Rússia passaria por uma série de transformações na ordem social, econômica e política cujos efeitos se espalhariam como um rastilho de pólvora para o proletariado dos quatro cantos do mundo. Trotsky sintetiza bem esse momento numa passagem do Grande Sonho: “Surge então, das profundezas da Rússia, um imenso grito de esperança, nessa voz se mescla a voz de todos os desesperados, os humilhados e os desamparados. Em Moscou, os operários obrigam seus donos a aprender as bases do novo direito operário...” .
Nesse sentido muito mais do que lembrar o evento histórico que foi a Revolução Russa, cabe aos revolucionários resgatar seus ensinamentos e exemplos. O que vemos, infelizmente, é grande parte da esquerda simplesmente ignorar a grande revolução de outubro, ou muitas vezes resumi-la a uma leitura sem prática. Nessa tentativa de tirar experiências da revolução russa e seus desdobramentos, para que possamos aportar para a classe trabalhadora de uma maneira antiburocrática e revolucionária, o presente artigo tem como objetivo uma breve análise da “Declaração dos direitos do povo trabalhador e explorado” redigida por Lênin em 1918 que colocava a Rússia num patamar jurídico-político já mais visto antes e que faria a mais democrática das constituições hoje parecer extremamente conservadora.



Em 2008, a “Declaração dos direitos do povo trabalhador e explorado” também completará 90 anos. Todavia, o trabalho ideológico realizado pelos juristas burgueses de simplesmente ignorá-la, faz com que o estudo da declaração e da constituição soviética seja simplesmente “apagado” da grade curricular dos cursos de Direito no Brasil. Ao mesmo tempo, a constituição burguesa mexicana de 1917 e a da república alemã de Weimar de 1919 são diariamente analisadas e reivindicadas como modelos democráticos de carta magna da época.
A Declaração foi publicada no Pravda no dia 17 de janeiro de 1918, no dia seguinte foi apresentada na Assembléia Constituinte, que de maneira arbitraria se negou a apreciá-la, o que levou a retirada da ala bolchevique da Assembléia. Todavia, em 25 de Janeiro de 1918 a Declaração foi ratificada pelo III Congresso dos Soviets de toda a Rússia e transformado na introdução da Constituição soviética que viria a ser promulgada.
Quanto ao conteúdo da Declaração, podemos nos ater a alguns elementos que foram fundamentais para a construção do Estado Operário Soviético. O primeiro deles é a necessidade de mecanismos de auto organização das massas que detenham o poder político. E já no parágrafo primeiro do capítulo I da Declaração a Rússia é denominada como uma República dos Soviets de deputados operários, soldados e camponeses e que todo o poder central e local pertence aos Soviets. Através desses mecanismos- Soviets- as massas votavam delegados eleitos na base e com mandatos revogáveis e podiam, dessa forma, participar da vida política do recém Estado Operário, além de evitar burocratização da administração do Estado.



Outro elemento presente na Declaração, que permeia todo o capítulo II, e essencial para o triunfo da revolução proletária é a expropriação sem indenização das propriedades burguesas e também a passagem da administração das fábricas, usinas e minas para o controle direto dos operários. Além de uma profunda e radical reforma agrária para distribuir terras aos camponeses pobres. Essa tarefa dos revolucionários de 1917 serve ainda hoje para desmascarar o papel demagógico das nacionalizações e estatizações burguesas realizados em nossos dias, tais como as de Hugo Chavez, que na verdade transformam as empresas privadas em sociedade de economia mista, além de pagar “gordas” indenizações aos proprietários.
O capítulo III passa a tratar da luta implacável que a República dos soviets travará contra o imperialismo das nações centrais diante das colónias e semi ’colónias, além da defesa de uma paz internacional sem anexações e fundada na livre disposição dos povos. Outra consigna fundamental que é atendida a partir da Declaração é a anulação dos empréstimos que o czar e o governo menchevique firmavam com o capital internacional. É notório por todo este capítulo o sentimento internacionalista da revolução russa. A vitória do proletariado da Europa ocidental e dos oprimidos do restante do mundo era a garantia da permanecia do Estado Operário da Rússia.
Por fim no último capítulo (V) a Declaração, na tradição da ditadura do proletariado, justifica a não participação dos outrora exploradores nos órgãos do poder político. Pois naquele momento a aristocracia e a burguesia contra-revolucioná ria se utilizavam de todos os métodos escusos e violentos para derrotar as organizações operárias.



Com esse breve artigo pretendemos iniciar uma série de trabalhos para que possamos, principalmente os estudantes e profissionais da área jurídica, construir uma teoria jurídica que sirva de instrumento para a classe trabalhadora na luta pela sua emancipação e também na construção de um Estado Operário baseado nos mecanismos auto organização das massas. Uma teoria que combata tanto a linha reacionária quanto a reformista do direito.




Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (Ex - União Soviética)
Rússia, 4 (17) de janeiro de 1918

Capítulo I
    1. A Rússia é declarada "República dos Sovietes dos Deputados Operários, Soldados e Camponeses". Todo o poder central e local pertence a estes Sovietes.
    2. A República Soviética Russa fundamenta-se no princípio da união livre das nações livres numa Federação de Repúblicas nacionais e soviéticas.

    Capítulo II
    Visando precipuamente a suprimir toda exploração do homem pelo homem, a abolir completamente a divisão da sociedade em classes, a esmagar implacavelmente todos os exploradores, a instalar a organização socialista da sociedade e a fazer triunfar o socialismo em todos os países, o III Congresso Pan-Russo dos Sovietes dos Deputados Operários, Soldados e Camponeses decide o seguinte:
    1.º A fim de se realizar a socialização do solo, fica extinta a propriedade privada da terra; todas as terras passam a ser patrimônio nacional e são confiadas aos trabalhadores sem nenhuma espécie de reembolso, na base de uma repartição igualitária em usufruto.
    As florestas, o subsolo, e as águas que tenham importância nacional, todo o gado e todas as alfaias, assim como todos os domínios e todas as empresas agrícolas-modelo, passam a ser propriedade nacional.
    2.º Como primeiro passo para a transferência completa das fábricas, das usinas, das minas, dos caminhos de ferro e de outros meios de produção e de transporte para a propriedade da República Operária e Camponesa dos Sovietes, o Congresso ratifica a lei soviética sobre a administração operária e sobre o Conselho Superior da Economia Nacional, com a finalidade de assegurar o poder dos trabalhadores sobre os exploradores.
    3.º O Congresso ratifica a transferência de todos os bancos para o Estado operário e camponês, como uma das condições de libertação das massas operárias do jugo do capital.
    4.º Tendo em vista suprimir os elementos parasitas da sociedade e organizar a economia, fica estabelecido o serviço do trabalho obrigatório para todos.
    5.º A fim de assegurar a plenitude do poder das massas operárias e de afastar qualquer possibilidade de restauração do poder dos exploradores, o Congresso decreta o armamento dos trabalhadores, a formação de um exército vermelho socialista dos operários e camponeses e o desarmamento total das classes possidentes.
    Capítulo III
      1. Exprimindo sua decisão inabalável de livrar a humanidade do jugo do capital financeiro e do imperialismo que empaparam o valo de sangue durante esta guerra, de todas a mais criminosa, o III Congresso dos Sovietes associa-se inteiramente à política praticada pelo poder dos Sovietes relativamente à ruptura dos tratados secretos, à organização da maior confraternização possível com os operários e os camponeses dos exércitos atualmente em guerra e à obtenção, custe o que custar, por meio de medidas revolucionárias, de uma paz democrática dos trabalhadores, paz sem anexações nem reparações, fundada na livre disposição dos povos.
        2. Com o mesmo fim, o III Congresso dos Sovietes insiste no total repúdio à política bárbara da civilização burguesa, que sustentava o bem-estar dos exploradores em algumas nações eleitas sobre a servidão de centenas de milhões de trabalhadores na Ásia, nas colônias em geral e nos pequenos países.
        O III Congresso saúda a política do Conselho dos Comissários do Povo, que proclamou a completa independência da Finlândia, começou a retirar as tropas da Pérsia e de à Armênia a livre disposição de si mesma.
        O III Congresso Pan-Russo dos Sovietes considera a lei referente à anulação dos empréstimos contraídos pelo Governo do Czar, dos proprietários fundiários e da burguesia como um primeiro golpe desfechado no capital internacional bancário e financeiro, e exprime a certeza de que o poder dos Sovietes continuará a avançar firmemente nesta via até à vitória completa do levantamento internacional dos operários contra o jugo do capital.
        Capítulo IV
        O III Congresso Pan-Russo dos Deputados Operários, Soldados e Camponeses estima que, atualmente, no momento da luta decisiva do povo contra os exploradores, não pode haver lugar para estes em nenhum órgão do poder. Este deve pertencer, total e exclusivamente às massas trabalhadoras e à sua representação autorizada – os Sovietes dos Deputados Operários, Soldados e Camponeses.
        Esforçando-se ao mesmo tempo por criar a união realmente livre e voluntária, e, por isso, tanto mais completa e sólida, das classes trabalhadoras de todas as Nações da Rússia, o III Congresso limita-se a pôr os princípios essenciais da Federação das Repúblicas Soviéticas da Rússia, confiando aos operários e camponeses de cada Nação decidir livremente no seu próprio Congresso Nacional dos Sovietes, plenamente competente, sobre se desejam, e, em caso afirmativo, em que condições, participar no Governo Federal e nas outras instituições federativas soviéticas.

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