terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

OS RESQUÍCIOS DA DITADURA: DOCUMENTOS CONFIRMAM ENVOLVIMENTO DA FIESP E DOS EUA NA REPRESSÃO.

Os trabalhos da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, em que pese as vacilações dos petistas que a compõe, confirmaram o que muitos já sabiam: O envolvimento dos setores patronais e do imperialismo norte-americano com os órgãos de repressão da Ditadura militar (1964-1985). A análise dos documentos do Arquivo Público do Estado de São Paulo, como mostra a reportagem da revista Carta capital que publicamos abaixo, indicam que representantes da Federação das Indústrias do Estado de Paulo (FIESP) e membros do consulado americano realizavam constantes e duradouras "visitas" às instalações do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Tudo indica que os representantes do empresariado paulista e o cônsul da "democracia" norte americana acompanhavam as terríveis seções de torturas realizadas nas sombrias salas desse órgão de repressão.
Os resultados desses trabalhos realizados pela Comissão da Verdade de SP colocam em evidência que muitas entidades (civis e militares) que colaboraram ativamente com o Golpe Militar no Brasil seguem existindo e com lugares de destaque na economia e na política brasileira. É necessário aprofundar a luta contra a impunidade aos crimes cometidos pela ditadura, seus agentes e seus cúmplices civis. Devemos incentivar a criação de comissões da verdade em todos os Estados e cidades. 
Lamentavelmente, ainda hoje representantes de entidades que apoiaram abertamente o golpe militar seguem tendo total acesso para expressar suas ideias em escolas e universidades. No ano passado, a direção do campus da UNESP Franca, em conjunto com um grupo de extrema direita, tentou realizar uma palestra com D. Bertrand, o "herdeiro" da família real e membro da Tradição, Família e Propriedade (TFP), organização que apoiou abertamente o golpe militar  de 1964. Não contente com tal provocação, a direção do campus vem levando a cabo uma política persecutória contra  os estudantes que repudiaram a presença de D. Bertrand e decidiu abrir sindicância contra 31 estudantes! Como consta nos autos da sindicância esta foi aberta depois da pressão de pessoas ligadas a ARENA (partido da Ditadura) e grupos de extrema direita.   O caso da UNESP Franca apenas demonstra como os resquícios da ditadura seguem presentes em inúmeras áreas da sociedade brasileira.
Por tudo isso, é preciso lutar por comissões da verdade que sejam independentes do governo e do empresariado e que estejam comprometidas em levar os torturadores a julgamento. Os empresários e entidades patronais envolvidos também devem ir para o banco dos réus e perderem os bens e capital que acumularam durante todos esses anos de estreita colaboração com os golpistas. 

Rafael dos Santos


Comissão da Verdade

consulado dos EUA sobre possível ligação com a repressão

Em audiência pública, Comissão da Verdade mostrou documentos que podem comprometer a Fiesp e o consulado dos EUA. Foto: Marcelo Camargo/ABr
Em audiência pública, Comissão da Verdade mostrou documentos que podem comprometer a Fiesp e o consulado dos EUA. Foto: Marcelo Camargo/ABr
A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo pretende pedir explicações à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e ao Consulado dos Estados Unidos sobre possíveis relações entre as duas instituições e os serviços de repressão na época da ditadura militar. Indícios dessa ligação foram encontrados pela comissão em documentos do Arquivo Público do Estado de São Paulo e apresentados  em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo nesta segunda-feira 18.  Entre os documentos, há seis livros datados dos anos 70 do século passado que registram entradas e saídas de funcionários e visitantes do extinto Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em São Paulo, um dos órgãos de repressão da ditadura militar.
Segundo a comissão, nesses livros, foram encontrados registros de entradas de Geraldo Resende de Matos, cujo cargo é identificado como “Fiesp”, e do cônsul dos Estados Unidos na época, Claris Rowney Halliwell. Embora tenham restado poucos livros de registro de entrada e saída de tais órgãos nesses anos, os seis documentos encontrados no Arquivo Público “são eloqüentes e falam por si”, disse Ivan Seixas, membro da Comissão Estadual da Verdade.
De acordo com ele, todos os que passavam pelo Dops eram identificados e registrados nos livros que mostraram, por exemplo, diversas entradas do cônsul americano ao local. Uma delas, no dia 5 de abril de 1971, coincide com a data de captura de Devanir José de Carvalho, o comandante Henrique, integrante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), que, levado para o Dops, foi torturado e morreu dois dias depois. O livro indica a entrada do cônsul, mas não a saída, o que faz supor que ele possa ter permanecido muito tempo no local. “O que esse cidadão diplomático fazia dentro do Dops, onde pessoas estavam sendo torturadas? É impossível que ele não tenha ouvido as torturas”, questionou Seixas.
Para ele, o cônsul americano participou “de alguma forma”. “Até por omissão, porque todo mundo ouvia as torturas, e não era tortura de um minuto, mas de horas a fio. Foram três dias seguidos de tortura do Devanir José de Carvalho. Nesses três dias, todo mundo ouviu [os gritos], inclusive nas redondezas. E essa pessoa [o cônsul] estar lá dentro, naquele momento, virando noite, enquanto o torturado agonizava, no mínimo ele foi omisso. O governo americano deve uma satisfação”, acrescentou.
Ivan Seixas informou que tanto a Fiesp quanto o Consulado dos Estados Unidos vão receber ofício pedindo explicações sobre esses registros. A comissão fará o pedido de explicações, que será levado à Assembleia Legislativa e encaminhado às duas instituições. “Será um questionamento para saber quem são essas pessoas e o que faziam lá”, explicou. Seixas ressaltou que a reunião de hoje não era um ato público, mas sim “uma audiência públicam que tem conseqüências”.
“Esses documentos são apenas o começo. Eles têm muita informação, não é só a parte que foi exposta: ainda vão aparecer mais coisas. Estamos perguntando o que aconteceu, quem eram essas pessoas e o que faziam lá, mas já dá para concluir muitas coisas”, destacou Seixas, lembrando que a comissão analisa muitos outros documentos e depoimentos.
No caso de Geraldo Resende de Matos, a comissão observou que ele esteve no local centenas de vezes. Só entre os anos de 1971 e 1974, de acordo com os livros do período que foram encontrados, Matos esteve no Dops 124 vezes.
Todo o material que foi encontrado está em análise. A comissão admite a possibilidade de que surjam mais nomes de pessoas e de entidades com possível ligação com órgãos associados à repressão.
Para o diretor do Departamento de Preservação e Acervo do Arquivo Público do Estado, Lauro Ávila Pereira, embora os livros de entrada e de saída do Dops possam ser considerados de pouca importância, por não serem documentos sobre presos políticos ou sobre a repressão, eles constitutem documentação que, se for bem trabalhada, poderá mostrar – e está demonstrando – o envolvimento de diversos segmentos da sociedade civil no processo repressivo. “É um material que ficou guardado, sem tratamento arquivístico, e agora foi digitalizado e está disponível na internet na página do Arquivo do Estado”, disse Pereira.
No dia 1º de abril, o Arquivo Público vai lançar, na internet, a digitalização de mais de 850 mil documentos referentes à ditadura militar. “Há uma diversidade grande de documentos, todos eles do Dops de São Paulo. Há prontuários de presos políticos, dossiês temáticos, muitas fichas digitalizadas”, informou o diretor do Arquivo Público.
A Agência Brasil não conseguiu contatar nesta segunda-feira 18 o Consulado dos Estados Unidos em São Paulo. Procurada, a Fiesp respondeu, em nota, que o nome de Geraldo Resende de Matos não consta de seus registros como membro da diretoria ou funcionário da entidade. “É importante lembrar que a atuação da Fiesp tem se pautado pela defesa da democracia e do Estado de Direito e pelo desenvolvimento do Brasil. Eventos do passado que contrariem esses princípios podem e devem ser apurados”, diz a nota.

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