É
lugar comum entre os intelectuais do espectro petista a definição de que,
sobretudo com o Governo Lula e agora sob a gestão Dilma, o Brasil, através do
desenvolvimento de grandes empresas nacionais – chamadas “global players” – cumpriria um outro papel na divisão internacional
do trabalho entre os países. Na concepção de tais analistas, que em alguma
medida é acompanhada até mesmo por setores da oposição de direita, as grandes
empresas brasileiras (estatais ou privadas) disputam o mercado internacional em
pé de igualdade com as velhas e novas grandes multinacionais imperialistas. O
papel de liderança mundial nos seus respectivos negócios faz com que a Petrobrás,
Embraer, JBS-Friboi, Andrade Gutierrez entre outras empresas sejam exemplos
desse maior protagonismo do capital nacional no mercado mundial.
O
Governo petista aproveita-se do “fenômeno” das “global players”, assim como do papel nefasto que cumpriu ao ocupar
e militarizar o Haiti fazendo o trabalho sujo para o imperialismo e na liderança
na América do Sul, para obter vantagens políticas nos principais organismos de
relações internacionais. É o que explica a insistência, até aqui sem qualquer
efeito, em se tornar membro pleno (com poder de veto) do Conselho de Segurança
da ONU, grupo seleto de potências formado por EUA, Rússia, China, Reino Unido e
França.
Também
vale destacar que, lamentavelmente, parte da própria esquerda antigovernista,
numa avaliação superficial e apressada desse processo, acabou por se seduzir
pelo canto do “Brasil Potência”. Não por outro motivo, inúmeros grupos e
partidos desenvolveram “teorias” de que o Brasil havia se tornado um país
imperialista ou criaram uma nova categoria, avessa a própria concepção
leninista do imperialismo, o chamado “sub-imperialismo”. Longe de ser apenas
uma discussão acadêmica ou teórica sem correspondência com a realidade, dizer
que o Brasil não seja mais uma semi-colônia (países com independência política
formal, mas subjugado economicamente), além de mudanças na avaliação geopolítica,
implica em profundas alterações, no conjunto de tarefas e programas a qual os
marxistas devem levantar para a revolução no Brasil.
Nessa
brevíssima postagem, queremos, a partir de dois exemplos, mostrar que, ao contrário
do que preconiza os intelectuais petistas e as linhas editoriais da imprensa
burguesa, permanece a profunda dependência econômica de nosso país ao capital
imperialista, sobretudo o norte-americano. Não menosprezamos as transformações
ocorridas na econômica brasileira, assim como o papel de liderança que algumas
empresas nacionais experimentaram nos últimos anos, todavia é preciso destacar
os limites desse processo indo além das aparências superficiais e questionar o
clima “festivo” propagado pelos porta-vozes do governo.
Em
primeiro lugar, destacamos a importante participação do capital imperialista
estrangeiro nas transnacionais brasileiras. A estratégia do governo para o
desenvolvimentos dessas “global players”
é combinar vultuosos incentivos fiscais e de créditos (via BNDES) por parte do
governo e permitir a entrada de capital estrangeiro em parcelas “menores’ no
capital das empresas. O que se percebe é que, se por um lado, houve uma ofensiva
das empresas nacionais, por outro, estas empresas ainda dependem de
investimentos estrangeiros (imperialistas) para se arriscarem ao mercado
internacional. Para tal, a elevada taxa de juros, durante os governo FHC e
Lula, contribuíram para atração de capitais imperialistas especulativos:
“O
poder de atração do capital imperialista por parte do Brasil se deu em função
de uma particular combinação de fatores, dentre os quais, para além de seus
recursos naturais extremamente valorizados, cumpriram um papel central as taxas
de juros reais mais altas do mundo. Esta conjunção de elementos levou a que o
fluxo de dólares para o país pressionasse a uma hipervalorização artificial do
real em relação ao dólar, aumentando o poder de compra das empresas nacionais
no exterior e com isso favorecendo o desenvolvimento do que hoje conhecemos
como os “global players” brasileiros.” (MATTOS, Daniel. A falácia do sub-imperialismo brasileiro. Revista
estratégia internacional nº 25. 2009)
Outra
demonstração, mais recente, dos limites desse processo veio à tona com a notícia
da compra de uma refinaria pela Petrobrás, em Pasadena, no estado
norte-americano do Texas. A empresa estatal, talvez a principal “menina dos
olhos” do governo petista e que em 2013 enfrenta sérios prejuízos, adquiriu a refinaria
de um grupo belga (que a havia comprado pelo valor de mercado de 46 milhões de
dólares) durante o governo Lula pela “bagatela” de 1,18 bilhões de dólares (!).
Agora, a Petrobrás, que conta com importante parcela de capital estrangeiro na
sua composição acionária, pretende vender a refinaria pelo valor de
aproximadamente 400 milhões de reais. Um prejuízo de quase 800 milhões de dólares
para os cofres brasileiros e uma grande ajuda aos capitais imperialistas belgas
e norte americanos que realizaram a venda. Desse modo, o capital privado
nacional e o Estado brasileiro colaboram, com dinheiro do trabalhador
brasileiro, para aliviar a crise econômica pela qual passa as principais
economias imperialistas do mundo.
Esses
dois exemplos, um sobre como foram formados os “global players” brasileiros e outro sobre os limites desses,
reforçam a caracterização de que o Brasil ainda é um país semi- colonial e
dependente do capital imperialista. As atuações frente as crises políticas na
América latina, a maior presença no continente africano e a intervenção militar
no Haiti são expressões de uma potência regional que cumpre o “trabalho sujo”
para o imperialismo. A fraca e tímida condenação ao recente golpe cívico-militar
no Paraguai contra um de seus aliados (Fernando Lugo) evidencia que também na
política externa o Brasil, em que pese a retórica “Sul-Sul” do governo, está em
sintonia com as principais orientações do imperialismo norte-americano.
Caracterizar
o Brasil como semi-colônia significa dizer que em nosso país a burguesia
nacional, com seus inúmeros laços com o imperialismo, foi e segue sendo incapaz
de realizar as históricas tarefas democráticas que ainda hoje seguem pendentes
em nosso país. Nesse sentido, na contra mão do que propugna a esquerda “democrática
e popular”, como o MST e a Consulta (que ainda seguem na sua procura utópica
por uma burguesia nacional progressista), o proletariado brasileiro,
hegemonizando os camponeses, pobres urbanos e a classe média empobrecida, está historicamente
convocado a se organizar de maneira independente da burguesia nacional e
estrangeira e, a partir da construção de uma República Operária e Socialista,
realizar as tarefas democráticas não resolvidas, como a reforma agrária e
urbana, demarcação de terras quilombolas e indígenas e educação de qualidade
etc como explica o revolucionário e teórico russo Leon Trotsky em suas teses da
revolução permanente:
“Para os países de
desenvolvimento burguês retardatário e, em particular, para os países coloniais
e semicoloniais, a teoria da revolução permanente significa que a solução
verdadeira e completa de suas tarefas democráticas e nacional-libertadoras só é
concebível por meio da ditadura do proletariado, que, assume a direção da nação
oprimida e, antes de tudo, de suas massas camponesas.”
Desse modo, a luta pela construção de um partido
revolucionário com profunda organicidade no seio da classe trabalhadora,
sobretudo no seu setor mais precarizado, continua um problema de primeira
ordem. Esse partido, que deverá caminhar na contramão de organizações políticas
midiáticas, superestruturais e reformistas, como vemos o caminho escolhido pelo
PSOL, deve ser parte da luta pela reconstrução da IV internacional, o partido
mundial da revolução social.