POLÊMICA
COM A ORGANIZAÇÃO “CONSULTA POPULAR” (PARTE I)
O
JULGAMENTO DO MENSALÃO E A ORGANIZAÇÃO “CONSULTA POPULAR”.
A “Consulta Popular”, organização
política cuja maioria dos quadros é oriunda do PT, compõe o setor majoritário
da Coordenação Nacional do MST e impulsiona o “Levante” Popular da Juventude,
agrupação que ganhou notoriedade nos últimos meses com a realização de alguns
atos “escrachos” contra figuras ligadas ao regime militar brasileiro. Além
disso, a Consulta Popular, nas universidades em que atua, anima alguns grupos
de extensão (como na UNESP Franca) e frequentemente disputa as entidades
estudantis, como foi a “Universidade em Movimento”, chapa que há alguns anos,
sem obter sucesso até o momento, vem concorrendo às eleições para o DCE da USP.
Mesmo com o forte peso nos
movimentos sociais e grande influência no movimento estudantil a direção da
Consulta Popular, que frequentemente faz discursos sobre a necessidade de
construir “novas práticas” no movimento estudantil, sindical e popular, não
está disposta, como vimos nas últimas eleições (onde apoiaram Haddad e Maluf),
a construir uma alternativa classista e independente ao petismo/lulismo que,
como sabemos, não proporcionou qualquer avanço na reforma agrária, mantem uma
política de criminalização dos movimentos sociais e favorece as grandes construtoras
e empresas que fazem uso de trabalho terceirizado e precarizado. Pelo
contrário, a Consulta Popular, surpreendendo até mesmo setores que já militam próximos
a esse grupo e reproduzindo o discurso reacionário da direção do PT, divulgou
em sua página na internet (http://www.consultapopular.org.br/noticia/ap-470-do-stf-consulta-popular-denuncia-manifesta-e-convoca) que
irá realizar uma campanha nacional contra o julgamento do Mensalão no STF e em
defesa dos petistas condenados por corrupção.
Ou seja, a Consulta Popular,
atuando como uma espécie de “braço ilegal” do petismo oficial, se cala diante
do fracasso da política agrária do governo Dilma, não diz nada sobre a
repressão do governo federal contra os operários das obras das usinas de Jirau
e Belo Monte, mas está a postos para pular na lama e ajudar a lavar a cara do
petismo que está imerso na imensa sujeira que se tornou a política parlamentar
no Brasil.
Diante de um fato como esse,
que traz enormes prejuízos para aqueles que ainda lutam por uma alternativa
independente, não é apenas importante, mas inclusive salutar que aqueles que se
reivindicam como parte do marxismo revolucionário coloquem de forma clara suas
ideias, debatam e façam as devidas polêmicas para ajudar a classe trabalhadora
e os grupos oprimidos a clarificar suas posições, separar aliados dos inimigos
e reconstruir um polo classista e combativo que coloque o proletariado de volta
na cena política nacional e internacional. Desse modo, não podemos concordar,
como vocifera alguns setores da esquerda que há muito tempo deixaram as
fileiras do marxismo revolucionário e cada vez mais se enveredam pelos caminhos
dos métodos stalinistas e semi-reformistas, com as posições que alardeiam e
condenam o debate dentro da própria esquerda. Suprimir a polêmica política e
teórica é algo que caminha na contramão das principais lições dos grandes
revolucionários do passado como Lenin, Rosa Luxemburgo e Trotsky. Nesse
sentido, buscando auxiliar no avanço da consciência de classe do proletariado
para que este, como sujeito social, hegemonize o conjunto das classes
subalternas e apresente uma alternativa à barbárie capitalista e a seus
prejuízos racistas, homofóbicos e machistas iremos questionar a posição
equivocada da Consulta Popular e indicar como essa organização, com sua
política de “seguidismo” ao petismo, lamentavelmente não representa uma
alternativa para construir um movimento operário classista e um movimento
estudantil combativo.
JUDICIÁRIO,
MENSALÃO E A CONSULTA POPULAR.
Décadas de Monarquia, ditaduras
e alguns poucos anos de tímidos e degradados regimes democráticos dirigidos por
uma burguesia antinacional, subserviente e semicolonial fez com que o Brasil mantivesse
uma estrutura político-parlamentar falida e corrupta que, frequentemente, por
desavenças entre os próprios grupos e partidos dominantes, vem à tona para o
conjunto da população. As campanhas dos principais partidos do regime, como é
caso do PT e PSDB, são financiadas por grupos financeiros, construtoras e
grandes empresas que posteriormente serão os únicos beneficiados. Não por outro
motivo, todos os partidos com representação na Câmara dos Deputados estão, por
alguma razão, envolvidos em esquemas de corrupção – até mesmo o PSOL. Em que
pese diferenças de gestões, defender que o PT, que há anos aprofundou sua
ligação orgânica com o regime burguês e estreitou seus laços com os países
imperialistas, seja menos corrupto do que os privatizadores tucanos é,
definitivamente, comparar seis com meia dúzia. Advogar que o partido de Lula,
que recebeu cerca de 60 milhões de doações de grandes empresas para sua
campanha em 2012, é vítima da direita e da imprensa golpista, como faz a
Consulta, é esquizofrenia ou oportunismo.
Para os marxistas
revolucionários o parlamento burguês, como já está demonstrado historicamente,
é um espaço onde a classe dominante conspira contra os interesses do povo.
Mesmo assim, atuamos taticamente nesse espaço utilizando a tribuna para
denunciar as armadilhas dos representantes da burguesia, denunciar os ataques
que estes estão preparando e convocar amplamente os trabalhadores para a luta
nas fábricas, campos e ruas com seus próprios métodos de luta. Contra o
oportunismo apressado que levanta a impossibilidade de tal atuação, a
intervenção dos deputados ceramistas – dois operários da fabrica Zanon- da
Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, na Argentina, mostra que é possível uma
atuação não adaptada e classista no parlamento burguês.
Também deixamos claro que o
judiciário, em que pese o enorme esforço da imprensa burguesa brasileira em
torná-lo o guardião da ética e da moralidade, é uma instituição também voltada
aos interesses dos ricos. Com raríssimas exceções, os juízes e desembargadores,
sob a máscara de decisões técnicas e imparciais, trabalham contra os interesses
dos mais pobres e acobertam os crimes do colarinho branco. O Supremo Tribunal
Federal (STF), órgão de cúpula do judiciário, não foge à regra. Trata-se de uma
instituição reacionária, mesmo tendo em sua composição uma maioria de ministros
indicados pelos governos do PT, que faz um trabalho sujo para os partidos da
oposição burguesa (PSDB, DEM e PPS) e para alguns grupos econômicos não
alinhados com o governo federal.
Contudo, a Consulta popular,
num misto de ingenuidade e oportunismo, proclama em seu manifesto:
“A Consulta Popular manifesta que a maioria dos
ministros do Supremo Tribunal Federal arrogou-se o papel de escolher, por suas
próprias opções políticas, as correntes de opinião que devam ter a
possibilidade de exercer os poderes Executivo e Legislativo no Brasil,
consumando a um só tempo os processos de judicialização da política e
politização do judiciário.”
A ingenuidade fica por conta do descobrimento
tardio de que há uma politização do judiciário. O oportunismo fica evidenciado
na omissão de que o PT é um dos principais agentes e mantenedores desse mesmo
sistema político/jurídico que garante a impunidade aos crimes da burguesia e
reserva o sistema criminal e carcerário aos pobres e àqueles que lutam pelos
direitos da classe trabalhadora e do povo em geral. A inabilidade do PT em evitar
um revés como o julgamento do Mensalão não pode ser traduzida como uma
perseguição, mas sim como uma batalha perdida na incessante guerra entre
frações da burguesia que disputam a hegemonia no controle do poder constituído.
Seria cômico se não fosse trágico, mas no
Brasil da “Consulta Popular”, o PT que governa há 10 anos o país junto a
importantes monopólios econômicos e financeiros, envolvido em inúmeros esquemas
sujos para garantir a governabilidade, é mais uma vítima da direita.
Segundo os dirigentes e ideólogos da Consulta o
julgamento do mensalão significa um retrocesso e um enfraquecimento do bloco
progressivo e democrático e, por isso mesmo, deve ser questionado. Entretanto,
ainda que omitamos os argumentos que apontamos a cima que mostram o
contrassenso dessa posição, veremos como há inúmeras questões na realidade
nacional que corroboram para o enfraquecimento do campo progressivo, dos
direitos humanos e da esquerda e que mereciam uma grande atenção, mas que a
Consulta Popular, em nome da eterna defesa dos “mensaleiros” petistas, não
coloca como prioridade ou simplesmente se omite.
A CONSULTA POPULAR
ALHEIA AOS PRINCIPAIS COMBATES PELOS DIREITOS DEMOCRÁTICOS.
A posição da “Consulta Popular” por si própria
já é extremamente equivocada e nem um pouco educativa para a vanguarda dos
trabalhadores, mas é um fato inegável que, diante da conjuntura atual do país,
em especial do Estado de São Paulo onde há uma verdadeira política de
extermínio contra o povo pobre e negro das comunidades levado a cabo pelo
governo tucano, a posição da Consulta ganha contornos ainda mais problemáticos.
Os estudantes, trabalhadores e jovens em geral
que se indignam diante da política de genocídio da PM e do PSDB contra os
pobres de São Paulo deveriam perguntar por que a Consulta Popular, que como
apontamos a cima tem uma grande responsabilidade em inúmeros movimentos sociais
e populares de massas, não deu qualquer peso para a luta contra a violência
policial que atingiu níveis estratosféricos?
Nas páginas do jornal Brasil de Fato, periódico editado pela Consulta popular e
movimentos ligados a esta, assim como em sua página na internet, há mais
informações quanto a supostas nulidades processuais do processo do mensalão
(até aqui nenhum problema) do que uma denuncia e campanhas contra o massacre
policial contra os pobres em São Paulo. A tarefa de denunciar a política
higienista Do governo paulista e as propostas reacionárias contra a
criminalidade (redução da maioridade penal, mais ROTA na rua e penas mais
severas) não seria uma tarefa elementar daqueles que buscam fortalecer o campo
progressivo? A defesa dos trabalhadores precarizados que têm seus bairros
sitiados pela polícia paulista não ganha mais destaque do que a defesa de
algumas figuras petistas envolvidas com banqueiros e compra de voto para
aprovar a privatista reforma da previdência? Ao que parece nada disso
sensibiliza a direção da Consulta, que elegeu o PT como a principal vítima da
direita e sua defesa como a campanha nacional prioritária.
Nem mesmo os dados lançados na última semana
sobre a política de reforma agrária do governo, que demonstram um retrocesso
sem precedentes nessa questão, são suficientes para acelerar o rompimento da
Consulta com o Governo. O conservador jornal o Estado de São Paulo, sem esconder sua gratidão, comentou os dados
da seguinte maneira:
“Os dados mais recentes sobre o número de famílias assentadas em
terras desapropriadas para fins de reforma agrária confirmam uma notável
mudança na política agrária do governo do PT depois da posse de Dilma Rousseff
na Presidência da República. Resistindo às ameaças e às pressões do Movimento
dos Sem-Terra (MST) e de áreas do partido ligadas historicamente à reforma
agrária, o atual governo vem reduzindo drasticamente o número de famílias assentadas.
Neste ano, até o dia 16 de novembro, de acordo com registros do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária, 10.815 famílias tinham sido
assentadas, como mostrou reportagem de Roldão Arruda no Estado (19/11). Esse
número indica que o total deste ano deverá ser menor do que o de 2011, de 20,8
mil assentamentos, que, até agora, era o menor desde 1995.”
Os vergonhosos números da reforma agrária, que evidenciam que o
PT governa para o latifúndio, não seriam motivos justos para uma campanha
nacional em defesa da reforma agrária e de denuncia do governo Dilma? Não para
a Consulta. A defesa dos “mensaleiros” também se sobrepõe a luta pelo acesso a
terra aos camponeses pobres e trabalhadores rurais.
Como vimos, a “Consulta Popular” comete
inúmeros equívocos. Além de fazer o malabarismo político-ideológico de
transformar o PT, partido número um da ordem, em um partido de esquerda e
vítima da direita, levanta a defesa dos petistas se omitindo dos principais
combates democráticos da atual conjuntura. Secundariza a luta pela reforma
agrária e pelos direitos humanos em São Paulo e coloca a defesa dos mensaleiros
em detrimento das primeiras.
Como marxistas revolucionários, ou seja,
trotskistas, não temos nenhum interesse que a situação nacional gire à direita.
Não queremos o fortalecimento da oposição de Direita e de seus jornais
conservadores. Entretanto, não temos nenhuma ilusão de que isso signifique um
apoio ao PT. Como demonstramos antes, a problemática da corrupção está
intrinsecamente ligada ao regime burguês e ao sistema capitalista. O PT, assim
como PSDB, são os principais agentes mantenedores dessa ordem. É preciso
questionar o regime de conjunto e não atuar com uma das alas da burguesia, sob
o pretexto de um suposto “mal menor”, para combater a fração mais conservadora
do bloco burguês. A construção de uma alternativa independente das frações
burguesas, um polo classista, combativo e antiburocrático, é condição sine qua non para o fortalecimento das organizações
operárias e populares e ao combate às entidades patronais e da direita. Ao que
parece a Consulta Popular abriu mão de uma política independente. Numa próxima
oportunidade mostraremos como esses problemas estão diretamente relacionados
com a estratégia escolhida pela Consulta Popular.
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