Rafael dos Santos
Um mês após Fernando Haddad tomar posse da prefeitura da
cidade de São Paulo já é possível fazer um balanço prévio dos primeiros dias da
gestão petista na maior cidade da América Latina. Pelo menos uma conclusão já é
certa: Se alguém acreditou, como o fez as direções de alguns movimentos
sociais, que Haddad seria um “mal menor” e realizaria algumas medidas
progressivas, ninguém viu, até o momento, qualquer indicação de que isso poderá
ocorrer algum dia.
Pelo contrário, os primeiros dias da gestão de Haddad já
se mostraram terríveis para qualquer um que defenda os direitos do povo
trabalhador ou se declare “progressista”. Entretanto, alguns setores da
esquerda, como a direção do MST e a organização Consulta Popular, com a sua
eterna linha política de apoiar o que chamam de “mal menor”, “progressismo” e
“governo democrático”, realizam há alguns anos o papel de confundir e
desorganizar os setores mais conscientes da classe trabalhadora durante as
eleições. Inviabilizam qualquer iniciativa de uma intervenção classista e
combativa nas eleições. Tais movimentos e grupos utilizam mil e um malabarismos
políticos para seguir apoiando as gestões burguesas e conservadoras do PT, como
podemos ver na declaração da própria Consulta Popular no 1º turno das eleições:
“A Consulta Popular se soma aos
movimentos sociais e a todos os lutadores e lutadoras do povo em uma campanha
militante para derrotar José Serra (PSDB) e eleger Fernando Haddad (PT). E
confiamos na responsabilidade daquelas organizações companheiras que optaram
por candidaturas próprias no primeiro turno: devemos estar juntos para derrotar
Serra no segundo turno”.
Ainda durante a campanha eleitoral, as imagens de Haddad
e Lula confraternizando na mansão do corrupto e reacionário Paulo Maluf (PP),
fechando um espúrio acordo eleitoral, não foram suficientes para que a Direção
Nacional e Estadual do MST, assim como o grupo Consulta Popular mudassem sua
posição de apoio à candidatura petista.
Após sua vitória no segundo turno e
ainda antes de assumir, Haddad, numa verdadeira provocação ao povo pobre e aos
movimentos que lutam pelo direito à moradia, anunciou que destinaria a
secretaria de habitação para algum representante do reacionário Partido
Progressista (PP), partido de Maluf e herdeiro direto da Arena, a antiga sigla
que comandava a ditadura militar. Em dezembro de 2012, neste mesmo blog,
denunciávamos esse ataque aos trabalhadores e questionávamos os grupos que
levantavam a defesa de Haddad:
“Há inúmeros exemplos de que o PT
definitivamente governa, em aliança com as antigas oligarquias latifundistas,
para a classe dominante. Resta então a indagação para os grupos que apoiaram
Haddad desde a primeira hora, como a Consulta Popular (direção do MST e
responsável pelo "Levante da Juventude"), esse é o mal menor diante
do PSDB? Entregar a questão da habitação nas mãos de genocidas e corruptos como
Maluf é parte do projeto democrático popular?”
Com o silêncio e omissão de tais movimentos, com a
honrosa exceção do MTST, Haddad não teve problemas em colocar a frente da pasta
de habitação o professor da Poli-USP José Floriano
de Azevedo Marques Neto,
indicado pelo PP.
Na primeira semana de seu mandato, numa medida
tipicamente tucana, Haddad, preocupado em como as chuvas e desabamentos
poderiam prejudicar sua imagem, mostrou que entende o problema das moradias em
áreas de risco como um caso de polícia. Despachou uma ordem autorizando as
subprefeituras a utilizarem o uso da força policial para retirar moradores das
áreas de risco. Como sabemos, ninguém escolhe morar em tais áreas. A
especulação imobiliária em São Paulo, com a conivência das antigas gestões do
PSDB e PSD, expulsa a população pobre para áreas de risco em morros nas
periferias da cidade. Entretanto, Haddad, retribuindo os favores para as
grandes empreiteiras e construtoras que o patrocinaram nas eleições, retira
violentamente os moradores das regiões e, ao invés de realizar um profundo
plano de reforma urbana para viabilizar moradia de qualidade, os coloca em
abrigos precários ou com miseráveis auxílios alugueis.
O reacionarismo de Haddad em relação a essa temática
rendeu até mesmo elogios do jornal Conservador Estadão que, mesmo sendo um ferrenho crítico do petismo, em seu
editorial do dia 22/01/2013 comemorou a decisão:
“Tomou
o caminho certo o prefeito Fernando Haddad ao autorizar os secretários
municipais e os sub-prefeitos – conforme a situação- acionar a Polícia Militar
(PM) e a Guarda Civil Metropolitana (GCM) para fazer a remoção de moradores de
áreas de risco alto ou muito alto, mesmo contra a sua vontade...”
Nem mesmo as tímidas medidas sociais do governo federal
que Haddad pretende ampliar em São Paulo são suficientes para esconder tamanho
conservadorismo em tão pouco tempo de gestão. Lamentavelmente, esses ataques
aos direitos democráticos e ao conjunto da população trabalhadora de São Paulo,
cujo rol é muito mais extenso do que os que levantamos nessas breves linhas,
não são suficientes para que a Direção do MST, a Consulta Popular e outros
setores da esquerda rompam seu silêncio e encerrem esse vergonhoso apoio a tal
governo. O papel de tais direções, há anos encasteladas nos cargos de segundo
escalão das gestões petistas, é o que explica por que milhares de jovens que
participam de lutas estudantis e populares (como a greve das Federais ou a luta
em defesa do assentamento Milton Santos) votaram em Haddad. O discurso de “mal
menor” que tais movimentos fomentam geram confusões e desmoralização nesses
setores. Esse setor da esquerda, que frequentemente fala em renovação dos
métodos e educação popular, parece se apegar ao que tem de mais atrasado quando
se trata de eleições.
Entendemos que seja fundamental explicar e debater
pacientemente com os estudantes e trabalhadores que saíram a lutar durante todo
o ano passado, inclusive muitas vezes contra as gestões petistas, que tal como
a vitória de nossas demandas apenas é alcançada com métodos combativos e
independentes (como as greves, piquetes, manifestações de rua, ocupações de
terra) é preciso uma atuação nas eleições e no parlamento burguês que também
esteja à altura de nossos objetivos. Não podemos ficar à mercê de partidos,
tais como o PT, que se dizem progressivos, mas que recebem altíssimas somas de
dinheiro de grandes empresas, reprime os operários das obras do PAC, pune os
estudantes que lutam, aprova um reacionário código florestal e engaveta a
reforma agrária. Nenhuma confiança nas organizações e direções políticas que
nos pedem para confiar em nossos inimigos. Ao contrário do que defende a
direção do MST e a Consulta Popular a luta de classes no Brasil não se resume a
polarização PT X PSDB. Esses dois partidos conspiram igualmente contra o povo. Chamamos
os trabalhadores da cidade e do campo, os sem terra, os sem teto, os
quilombolas e os estudantes para que se somem a tarefa histórica de construção
de um pólo alternativo combativo, classista e antiburocrático.
Mais uma vez,
terminamos questionando a Consulta Popular e a coordenação nacional do MST: Até
quando vão pintar de vermelho os candidatos da burguesia? Até quando vão
reduzir a luta de classes na polarização eleitoral PT X PSDB? Até quando vão
ajudar eleitoralmente aqueles que nos reprimem? Até quando estarão ausentes da luta pela construção de uma alternativa de classista?